O papel do usuário no processo de inovação

Pesquisas mostram que a experiência do paciente ajuda no desenvolvimento das novas tecnologias

Um dos temas abordados durante o 7º CIMES (Congresso de Inovação em Materiais e Equipamentos para Saúde), evento realizado pela ABIMO (Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios), foi a experiência do usuário como um dos pilares da inovação. O talk-show foi mediado pelo consultor de odontologia da ABIMO, Claudio Pinheiro Fernandes, PhD, professor e coordenador da Agência de Inovação do ISNF da Universidade Federal Fluminense, e contou com a participação dos seguintes especialistas da área: Monica Calasans, DS, professora e coordenadora do laboratório de Pesquisa Clínica em Odontologia da UFF; Van Thompson, PhD, professor do Instituto de Odontologia e cofundador da Reminova, empresa spin-out da King’s College London; e Gustavo Klein, DS, fellow em cirurgia buco maxilo facial da Tufts School of Dental Medicine, diretor científico da empresa DSP Biomédica.

“A experiência do usuário influencia positivamente os projetos de inovação e se integra ao trabalho dos laboratórios de teste de produtos. Assim, deve estar inserida no contexto de incubação de novas empresas que visam alcançar sucesso”, destaca Fernandes, acrescentando que o tema fomenta uma discussão interessante que envolve desde as principais dificuldades para inovar até mesmo os riscos encontrados pela indústria na inserção de seus produtos no mercado.

Interface

Thompson chama a atenção para a importância da colaboração produtiva, com a integração entre todos os players. “As empresas, na ânsia de desenvolver inovação, muitas vezes se deparam com falta de experiência multidisciplinar para a criação e comercialização dessas novidades. A parceria com entidades odontológicas possibilita o desenvolvimento, a avaliação e a introdução de novos produtos tanto de diagnóstico quanto de tratamento odontológico”, ressalta.

“De fato, o posicionamento adequado da relação da área com o desenvolvimento de um produto pode fazer muita diferença, além de ser mais uma demonstração de como o fabricante precisa estar atento às capacidades do seu mercado, a fim de não erra ‘a mão’ e colocar soluções que não tenham interesses específicos ou que este mercado não esteja preparado para absorver”, diz Fernandes.

Já Klein, relata que a experiência do usuário influenciou decisivamente a seleção da tecnologia de navegação assistida. O especialista coordena um projeto de PD&I de interação com cirurgiões-dentistas da área de implantodontia, que integra uma equipe de desenvolvimento de sistema de navegação cirúrgica assistida por computação. “A demanda cada vez maior na precisão da instalação dos implantes a fim de evitar problemas estéticos foi o ponto crucial para o incentivo ao implemento desta nova tecnologia. Na sequência, o refinamento dos resultados e a aplicabilidade do sistema só foram possíveis em conjunto com o futuro usuário”, explica.

Monica, que coordena um laboratório de testes de produto na Universidade Federal Fluminense, falou sobre a necessidade de se montar essa estrutura. “Houve um movimento mundial, que começou no início da década de 2010, com a criação de vários centros de pesquisa transacional. E a translação na pesquisa nada mais do que o feedback do usuário para a indústria, a fim de melhorar o produto. Nós temos desde 2006, algumas experiências com testes de novos materiais, principalmente na linha de pesquisa de substitutos ósseos e implantes dentários. A partir daí, começamos a fazer parceria com empresas justamente para dar a elas o retorno dessa translação, que vai da bancada ao leito e do leito de volta para a bancada”, salienta.

Quanto a essa interface, Klein explica que o projeto coordenado por ele está exatamente na fase execução de casos clínicos. “Estamos trabalhando com as questões clínicas do produto. Ainda estamos vendo se o produto vai ser adaptável e se vai realmente ser usado dentista brasileiro. Porque existem dificuldades técnicas, que são pertinentes ao próprio produto, mas também existem entraves relacionados a softwares, sensores, peças, que precisam ser trabalhados”, diz o consultor, lembrando da dificuldade inicial que foi direcionar o seu olhar ao equipamento e não ao paciente. “Confesso que essa foi uma das maiores dificuldades que tive no começo, trabalhar sem olhar para a boca, mas sim para uma tela. Isso requer toda uma curva de aprendizagem, que passa, inclusive, pela adaptação de alguns novos dispositivos, que estamos tentando, para tornar a tecnologia mais efetiva e viável ao profissional”, conta.

Riscos

Questionado sobre quais os maiores riscos enfrentados por uma companhia na inserção de uma inovação tecnológica no mercado, Thompson aponta falhas cruciais. “As empresas pecam ao não perceber o longo período que os novos produtos, especialmente quando muito inovadores, levam tempo para serem realmente adotados pelo setor. Além disso, há uma falha também na não valorização de parcerias entre entidades odontológicas e os responsáveis pelos testes de produtos em fase de inovação”, diz. Para o especialista, o segredo para convencer qualquer dentista a adotar determinado produto é juntamente mostrar a ele como aquilo poderá ser superior ao longo do tempo. “Muitas vezes você não consegue alcançar isso até reunir um número considerável de players e questionar ‘o que vocês realmente precisam?’”, finaliza Thompson.